Anos atrás, propus-me a escrever um texto sobre a máxima "Conheça-te." Gostei do resultado naquela época, mas hoje tanto mudou, que senti-me no dever de escrever uma vez mais sobre o mesmo tema. O engraçado é que sinto-me menos satisfeito hoje do que outrora me senti. Sem mais, espero que gostem.
Conheça-te
“Conheça-te”,
reza a lenda que dizia no Oráculo de Delfos. Muito herdamos dos
helênicos, lógica, democracia, ética, poética, escultura,
arquitetura, retórica, enfim, filosofia. Mas nada houve de mais
certo que aquela breve passagem, que deveria dentre todas, ser a mais
mítica e reverenciada.
A vida é
uma jornada, o caminho é sempre incerto. Torto, por vezes reto,
vamos seguindo e seguindo numa estrada esvaziada de significado. Pois
nada tem significado dado. A verdade é a maior de todas as mentiras,
posto que é sempre relativa, subjetiva e questionável. Conheça-te,
e para conhecer-se, lembra-te, nada é sagrado. Nada é inalcançável,
nenhuma verdade é pura ou absoluta. O tempo vem e vai, e como os
gregos foram-se, foram-se também os romanos, e muitos outros, e um
dia iremo-nos nós. Todavia, para que não deixemos aqui pontas sem
nós, sigamos adiante.
Conhecer-te
é o prelúdio de algo que nunca é o bastante. Nunca há de saber-se
por inteiro. Fácil fosse se o saber fosse imutável, mas nada o é.
Tudo transita e muda, cresce, amadurece, fortalece, murcha e morre. O
tempo corre, num rio de águas revoltosas, que te levam sempre,
sempre, sempre adiante, e não há esforço o bastante que te faça
recuar. O mundo muda a todo instante, por causa disso, certeza não
há.
Mas se
há um esforço válido nessa vida, mais que comer, beber ou dormir,
é dar se ao luxo de conhecer. A ti mesmo, a princípio. Nessa
relação micro e macrocósmica, tua parte no todo conta mais do que
imaginas. É a partir de ti que podes passar a conhecer um pouco
desse vasto resto, infinito, eterno, e sempre mutável.
Atenta-te
aos tijolos da tua estrada, veja para onde vira cada curva. Mas não
olha sempre pra frente, dá-te ao luxo de olhar para os lados. Não
custa, exceto tempo, mas tempo é uma esperança perdida nessa vida
de mortais. Se te deres com o mar, põe-te em barco, singra tuas
velas e parte. Se o céu for o caminho, rouba de Dédalo as asas que
derrubaram o malfadado Ícaro, e voa até aquele olimpo distante. Mas
de novo, não deixas tu de observar a jornada. A chegada não vale de
nada, pois sinceramente, não se chega a lugar algum. Só temos
curtas paradas, que alguns julgam permanentes, e definham e morrem
perante o tempo inclemente, sem saber que a jornada não finda.
Se,
pois, não importa a jornada, malfadada busca esta! Vou me aquietar
pra sempre, sentar de joelhos, relaxar à sombra e água fresca.
Idiota impertinente, descansa pois um pouco, mas se parares agora, és
só um desperdício de água e sombra neste vasto lugar ao sol. A
chegada não importa, a verdade está na jornada. Olha sempre para os
lados, já disse. Vais ver, outros como tu seguem adiante. Uns vão
animados, outros trôpegos, uma marcha fúnebre letárgica caminha
para o precipício do Tártaro. Não há nada mais bárbaro que o
desconhecido. O desconhecido é o epítome do bárbaro. Quer
desconhecido maior que tu mesmo? Queres como conhecer teus irmãos?
Amigos, inimigos, amantes, pedantes, passantes, viandantes,
transeuntes, notívagos, boêmios, incertos, eremitas e errantes. Não
conheces nada sobre ti. Vai tentando, tudo se junta de pouquinho em
pouquinho.
Com o
passar do tempo notas tua própria evolução. Não adianta negar,
não sabes de porra nenhuma. Mas é assim mesmo, essa porra nenhuma
de hoje fora a verdade sagrada de ontem, e agora que despido estás
dessas tolices, podes seguir, mais e mais. E aí verás que dessa
ignorância, todos nós compartilhamos. Somos patéticos insetos
nesse mundo de intempéries cósmicas. Mas com o tempo, vês que há
algo de divino: nessa solidão universal, até então, não
descobriu-se em mais ninguém a centelha do sagrado. És tu, varão
da espécie humana, responsável por pensar. Reflete.
Há em
nós, de fato, a centelha do divino: somos nada, e somos tudo, pois
os deuses, somos nós. Temos em nossas mãos o poder da criação.
Desde o fogo, alavanca, roldana, a filosofia, a democracia, o
direito, o moinho, o arado, o relógio, a bússola, a caravela, a
pólvora, a eletricidade, o poder das estrelas em nossas mãos, o
genoma decodificado. Me admira que ainda assim, conheçamo-nos tão
pouco. Não há verdade absoluta, mas se quiser o princípio de
alguma, olha para ti mesmo, e para onde trilhas. Melhor lugar não
há.
“Conheça-te”,
reza a lenda que dizia no Oráculo de Delfos. Sem te conheceres, não
podes conhecer mais nada. Conheça-te antes de julgar-te diferente.
Teus irmãos te são iguais. Temem, amam, choram, sofrem, matam,
morrem. Conheça-te, pois quando o microcosmo for-te minimamente
conhecido, verás que todo o resto, esse mundo de macro-estruturas,
no fundo faz algum sentido, e embora não haja verdade certa, diga
para si que há, que apenas não há de alcançá-la, e continue
buscando este infinito distante, pois cada vez mais saberás do menos
que sabes, e um dia, saberás um pouquinho de tudo do nada que somos,
e um nada do tudo que sempre fomos.
Este é
o legado da paz.
K. O. Metzger
Que texto fantástico! Ali eu leio o Kauê que eu conheço. Conheço... O pouco do muito, o muito do pouco, o tudo do nada e o nada de tudo que tu já me deste a honra de "conhecer".
ResponderExcluirEspero que venhas a te conhecer melhor. E que permita, não só a mim, mas aos que te cercam, também fazê-lo.
Tens vários aclives e declives de tijolos ainda pela frente, e torço pra que sejam todos bem observados, desbravados e conquistados por ti.
E... Sabe a insatisfação que sentes agora com o resultado do texto?! É coisa boa; faz parte desse crescimento que todos buscam, desse conhecimento "micro"... Talvez essa seja, junto ao questionamento, a melhor forma de conhecer-te.
De qualquer maneira, todos já temos ideia do que és capaz! :)