segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Escrevendo sobre algo que já escrevi

Anos atrás, propus-me a escrever um texto sobre a máxima "Conheça-te." Gostei do resultado naquela época, mas hoje tanto mudou, que senti-me no dever de escrever uma vez mais sobre o mesmo tema. O engraçado é que sinto-me menos satisfeito hoje do que outrora me senti. Sem mais, espero que gostem.

Conheça-te

“Conheça-te”, reza a lenda que dizia no Oráculo de Delfos. Muito herdamos dos helênicos, lógica, democracia, ética, poética, escultura, arquitetura, retórica, enfim, filosofia. Mas nada houve de mais certo que aquela breve passagem, que deveria dentre todas, ser a mais mítica e reverenciada.
A vida é uma jornada, o caminho é sempre incerto. Torto, por vezes reto, vamos seguindo e seguindo numa estrada esvaziada de significado. Pois nada tem significado dado. A verdade é a maior de todas as mentiras, posto que é sempre relativa, subjetiva e questionável. Conheça-te, e para conhecer-se, lembra-te, nada é sagrado. Nada é inalcançável, nenhuma verdade é pura ou absoluta. O tempo vem e vai, e como os gregos foram-se, foram-se também os romanos, e muitos outros, e um dia iremo-nos nós. Todavia, para que não deixemos aqui pontas sem nós, sigamos adiante.
Conhecer-te é o prelúdio de algo que nunca é o bastante. Nunca há de saber-se por inteiro. Fácil fosse se o saber fosse imutável, mas nada o é. Tudo transita e muda, cresce, amadurece, fortalece, murcha e morre. O tempo corre, num rio de águas revoltosas, que te levam sempre, sempre, sempre adiante, e não há esforço o bastante que te faça recuar. O mundo muda a todo instante, por causa disso, certeza não há.
Mas se há um esforço válido nessa vida, mais que comer, beber ou dormir, é dar se ao luxo de conhecer. A ti mesmo, a princípio. Nessa relação micro e macrocósmica, tua parte no todo conta mais do que imaginas. É a partir de ti que podes passar a conhecer um pouco desse vasto resto, infinito, eterno, e sempre mutável.
Atenta-te aos tijolos da tua estrada, veja para onde vira cada curva. Mas não olha sempre pra frente, dá-te ao luxo de olhar para os lados. Não custa, exceto tempo, mas tempo é uma esperança perdida nessa vida de mortais. Se te deres com o mar, põe-te em barco, singra tuas velas e parte. Se o céu for o caminho, rouba de Dédalo as asas que derrubaram o malfadado Ícaro, e voa até aquele olimpo distante. Mas de novo, não deixas tu de observar a jornada. A chegada não vale de nada, pois sinceramente, não se chega a lugar algum. Só temos curtas paradas, que alguns julgam permanentes, e definham e morrem perante o tempo inclemente, sem saber que a jornada não finda.
Se, pois, não importa a jornada, malfadada busca esta! Vou me aquietar pra sempre, sentar de joelhos, relaxar à sombra e água fresca. Idiota impertinente, descansa pois um pouco, mas se parares agora, és só um desperdício de água e sombra neste vasto lugar ao sol. A chegada não importa, a verdade está na jornada. Olha sempre para os lados, já disse. Vais ver, outros como tu seguem adiante. Uns vão animados, outros trôpegos, uma marcha fúnebre letárgica caminha para o precipício do Tártaro. Não há nada mais bárbaro que o desconhecido. O desconhecido é o epítome do bárbaro. Quer desconhecido maior que tu mesmo? Queres como conhecer teus irmãos? Amigos, inimigos, amantes, pedantes, passantes, viandantes, transeuntes, notívagos, boêmios, incertos, eremitas e errantes. Não conheces nada sobre ti. Vai tentando, tudo se junta de pouquinho em pouquinho.
Com o passar do tempo notas tua própria evolução. Não adianta negar, não sabes de porra nenhuma. Mas é assim mesmo, essa porra nenhuma de hoje fora a verdade sagrada de ontem, e agora que despido estás dessas tolices, podes seguir, mais e mais. E aí verás que dessa ignorância, todos nós compartilhamos. Somos patéticos insetos nesse mundo de intempéries cósmicas. Mas com o tempo, vês que há algo de divino: nessa solidão universal, até então, não descobriu-se em mais ninguém a centelha do sagrado. És tu, varão da espécie humana, responsável por pensar. Reflete.
Há em nós, de fato, a centelha do divino: somos nada, e somos tudo, pois os deuses, somos nós. Temos em nossas mãos o poder da criação. Desde o fogo, alavanca, roldana, a filosofia, a democracia, o direito, o moinho, o arado, o relógio, a bússola, a caravela, a pólvora, a eletricidade, o poder das estrelas em nossas mãos, o genoma decodificado. Me admira que ainda assim, conheçamo-nos tão pouco. Não há verdade absoluta, mas se quiser o princípio de alguma, olha para ti mesmo, e para onde trilhas. Melhor lugar não há.
“Conheça-te”, reza a lenda que dizia no Oráculo de Delfos. Sem te conheceres, não podes conhecer mais nada. Conheça-te antes de julgar-te diferente. Teus irmãos te são iguais. Temem, amam, choram, sofrem, matam, morrem. Conheça-te, pois quando o microcosmo for-te minimamente conhecido, verás que todo o resto, esse mundo de macro-estruturas, no fundo faz algum sentido, e embora não haja verdade certa, diga para si que há, que apenas não há de alcançá-la, e continue buscando este infinito distante, pois cada vez mais saberás do menos que sabes, e um dia, saberás um pouquinho de tudo do nada que somos, e um nada do tudo que sempre fomos.
Este é o legado da paz.

K. O. Metzger

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Mais um texto

Saindo direto da fornalha da amargura, cá estou uma vez mais! Cheers!

O Mundo-Bolha das Máscaras

O que eu queria pra nós não é o banal e o concreto. Não quero nem mesmo o correto. Quero tudo que é desvio do padrão. Quero olhar pro céu ao ponto da exaustão, mesmo que hajam insetos. Não quero uma vida de vetos, de promessas inconclusas, não quero mais promessa alguma, também não quero escusa, quero ser, ouvir e ver.
Quero um contato de almas que não vem com o tempo, só se vem de supetão. Quero a paixão do intelecto que há ou não há, sem meio termo ou perdão. Quero falar até cansar, deitar e rir. Quero riso frouxo de dar dor. Seja no frio ou calor, pouco importa, só quero a companhia certa, de alguém que me é capaz de ouvir e entender, mesmo sem precisar concordar. Não quero que concorde! Antes disso, a morte! Quero só um mundo-bolha, onde nada mais há, por aqueles efêmeros momentos, além de duas pessoas despidas de todas as máscaras. Quero poder falar a verdade uma vez mais, como quando era criança, mas sem medo de castigo. Quero ter este momento contigo, e por ora, com ninguém mais. Pois este negócio de alma, afinidade, é tudo complicado. Mas dizem que se o santo bate, é pra ser. Não quero uma eternidade.
Quero pois tudo que é fugaz, que vem e vai, passa e não volta mais. Mas quero viver a efemeridade enquanto durar. Quero estes momentos-bolha flutuantes e voláteis, que a qualquer momento estouram, e nos levam pro mundo vulgar e voraz.
Liberdade é ser ridículo, e ser feliz é ser livre. Troco tudo dessa vida, mas por Deus ou o que for, não me prive, de ser livre uma vez mais. Isso é coisa para hoje, amanhã a bolha estoura, e uma vez mais, sem demora, botamos a máscara, terno e gravata, deixamos tudo que é nosso para trás, e vamos lá, viver o mundo, onde nunca somos nada, e sempre somos tudo que não somos.

K. O. Metzger