quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Quebrando o silêncio

Depois de um tempo quieto, volto aqui pra quebrar o silêncio brevemente, com mais um post curto de um texto que escrevi. Sem mais, segue abaixo:

Rebento do Vento

O amor é uma puta barata de perfume vagabundo, um sonho nauseabundo que demora pra acabar, e que depois da euforia toda causa náuseas. O amor é um porre pesado, que vem acompanhado de uma tremenda ressaca. Amor é bebida vagabunda, é comida estragada. Amor é injustiça e ingratidão, amor é dor, e pra ele não tem perdão, dói mais e mais. Remói, destrói a paz, tira a tranquilidade da alma, pois tudo que dera por um momento foi serenidade, tamanha que não se pode comensurar. Mas não adianta censurar, depois que vai, leva tudo embora, deixa fios de cabelo e marcas de batom, deixa peças de roupa, só para lembrar o que foi, mas o amor em si, se vai.
Some, foge, desaparece. Destrói toda uma vida, que desvanece e padece em prantos num beco sujo, numa sarjeta imunda, escura, fria e úmida. O corpo trêmulo vomita, convulsionado e contorcido, nauseado, febril, destruído, destituído de dignidade. Amor não tem humanidade. Amor é fera bruta, é horror das profundezas da mente humana. Amor é inumano. Perante a carcaça do mundano, o amor sorri, triunfante, pela vida destruída, pela felicidade esmigalhada, pela alma empobrecida. E continua de partida, sem olhar para trás.
E tudo que o vento traz é lembrança, que soa como sal na ferida aberta, como ácido num corte exposto ao sol. Amor é um enxame pútrido de moscas que se aproveita da carniça, sem a mais mínima menção à justiça, amor é frieza e solidão.
E o amor te deixa, e some. Ficas aí passando fome, frio e sede. Alma morta em corpo vivo e desolado. Amor não vê pecado, não há pra ele um sagrado, inviolável ou impossível. Amor é uma besta desprezível.
E na amargura morres, morres e morres de novo. E ele te cospe na cara, te humilha e insulta, ri e escarnece, zomba e, quando vês, já se foi.
E então, te recuperas, lembras que ainda há vida para ser vivida. Levantas e segue andando, trôpego e cambaleante. A náusea permanece, a cabeça ainda dói. A visão é turva. Tudo tem um gosto podre. Mas os dias vão passando, vem semana a semana, mês a mês, ano a ano. Passam-se invernos e verões, primaveras e outonos, e quando vês, tudo se foi.
Se bem pensares, há ainda uma dor aguda escondida nos recantos mais escusos da alma. Mas tornas logo a retomar a calma, respiras fundo, te ergues e segue andando. E vai achando algo que uma vez mais te faz feliz. Parece até que a dor vai passando, e com o tempo, ela existe, mas não te lembras mais. Guardas tudo tão bem a sete chaves, num cofre inviolável, num labirinto indecifrável, e deixas o que dói para trás.
E então o vento o traz. Estás tranquilo, já tens paz, tudo é bom e belo. E volta aquela puta barata, aquela ressaca ingrata, chamada Amor. Dá-te oi, e tudo volta, te entregas de corpo e alma, de uma vez só, sem demoras, sem hesitar ou piscar. Te jogas completamente, não há dúvidas, tem que ser. Esperaste tanto tempo para vê-la novamente. Abraças com tudo que pode, sacode cada lembrança num desespero de fome e sede, e o desejo de saciar-se naquele amor brota súbito, e vais sugando dele o júbilo da vida uma vez mais. E trocas promessas com o Amor, que diz “não partirei jamais.”
Acordas sozinho, com um gosto azedo, e algo de peculiar. Não chega a ser singular, pois o mal te é conhecido: Amor veio, e foi embora. Lamenta-te e chora, mas nunca digas jamais. Amor é o rebento do vento.

K. O. Metzger